Por Luciana Rangel

A Teoria do significado secundário e como ocorre sua aplicação no direito brasileiro para fins de proteção marcária
A Teoria do significado secundário, mais conhecida como secondary meaning, é um fenômeno que faz com que uma palavra qualquer, comum e genérica, sem qualquer distintividade, adquira pelo seu uso empresarial, a capacidade de identificar e diferenciar um produto ou serviço de outro, tornando-se assim, passível de proteção de marca, em caso de preenchimento dos requisitos necessários para tanto, como veremos adiante.
Para que se possa compreender a aquisição de distintividade por secondary meaning, é importante levar em consideração que as palavras podem ter mais de um significado. A título de exemplo, manga, é uma palavra que corresponde a uma fruta, ou à parte de uma vestimenta por onde se passa o braço. Manga também é o nome de goleiro que atuou no Botafogo e Internacional, em décadas passadas, e teve seu nome conhecido através da profissão de destaque.
Todos esses sentidos coexistem na mesma palavra. E, é através do fenômeno chamado secondary meaning, que esse signo genérico se transforma em nome próprio individualizado para um produto ou serviço, passível de registro e proteção de marca.
Para que se adquira o secondary meaning, e possa requerer seu registro de marca através deste instituto, deve-se comprovar o preenchimento de alguns requisitos, estabelecidos pela jurisprudência brasileira em análises de discussões trazidas à análise jurídica e doutrinária, tendo em vista lacuna na legislação nacional sobre, exclusivamente, meios de aquisição do secondary meaning.
Nada mais é quando um signo que era inicialmente percebido apenas como o nome comum de um produto ou serviço, passou a gerar uma outra reação mental no consumidor, de modo que, ainda que a palavra em si permaneça inalterada, a percepção que dela se tem, bem como a função por ela exercida.
A finalidade da marca é a de distinguir um produto ou serviço de outro.
Assim, o secondary meaning aparece como a preocupação com a proteção do valor econômico e jurídico da marca que se tornou distintiva pelo uso e pela publicidade. E, a distintividade adquirida por secondary meaning permite que o signo seja protegido tão somente como marca.
Destaque-se que o secondary meaning não retira o significado primário do signo. Ambos continuarão a coexistir, desde que cada qual se mantenha em seu contexto e em sua função.
A jurisprudência brasileira efetivamente aplica o secondary meaning no Brasil. O Superior Tribunal de Justiça entendeu que a marca LEITE DE ROSAS,[1] embora formada por palavras comuns, “adquiriu notoriedade e há muito se consolidou no mercado brasileiro, de modo a nomear não qualquer produto, mas aquele específico comercializado pela recorrente”. Por esta razão, proibiu um outro fabricante de desodorantes a usar a marca CREME DE ROSAS para comercializar o mesmo tipo de produto.
O entendimento é de que a distintividade deve ser valorada à luz da realidade do mercado, para permitir o registro como marca de expressões que, a princípio não se enquadravam nesse conceito, mas que em função do uso se consolidaram como tal.
O Tribunal Regional Federal da 2ª Região entende que “A Teoria do Significado Secundário, conhecida na sua versão anglófona por Secondary Meaning, contempla o particular fenômeno em que um signo comum e genérico, originalmente desprovido de qualquer caráter distintivo, adquire capacidade para diferenciar o produto ou serviço para o qual foi registrado em decorrência de sua projeção no mercado e seu uso contínuo por um longo período de tempo.”[2]
Logo, o secondary meaning não é um processo em que um termo, despido de significação marcaria a adquire através do tempo. Ele consiste no resultado de tal processo, eis que, se este ainda está em curso, não há nada a ser protegido.
O reconhecimento da exclusividade a ser atribuída à um concorrente em detrimento dos demais só é possível ante a completude do seu processo, cujo resultado de um termo despido de significação marcaria adquire através do tempo, juntamente com os demais requisitos a seguir expostos.
Diante disso, é importante esclarecer que o secondary meaning está presente quando um signo é percebido pelo consumidor como marca de determinada empresa e não mais como uma mera expressão genérica ou descritiva. A análise não deve recair sobre o uso em si, mas sim sobre seu efeito. Melhor dizendo, é necessário que o signo seja empregado e percebido como marca, e não como apenas uma descrição.
Podemos dizer que o secondary meaning não decorre de uma prova isolada, mas de uma multiplicidade de fatores a serem analisados em conjunto, tais como a publicidade extensa, até mesmo a reprodução ou imitação praticadas por concorrentes.
Para ser comprovado o secondary meaning, precisa apenas da percepção triádica que o seu uso gera no consumidor, que tem o signo como uma marca distintiva que diferencia um produto de outro e que indica uma origem individualizada, ainda que o nome do estabelecimento fabricante seja por ele ignorado.
No brasil, o artigo 374, I do CPC também dispensa de prova os fatos notórios. Contudo, a notoriedade marcaria não se confunde com fato notório. À luz do artigo 126 da LPI, a notoriedade marcaria é setorial, ou seja, deve ser aferida apenas no círculo dos consumidores interessados naquele tipo de produto. Assim, se esse círculo for diminuto, a marca poderá ser notoriamente conhecida entre os consumidores especializados, sem que seja um fato notório de conhecimento dos consumidores em geral, tal como do juiz.
Tem-se que notoriedade obtida pela marca no mercado, é um instrumento crucial para permitir a comprovação da distintividade por secondary meaning. E pode incidir mesmo sobre marcas originalmente distintivas em seu ramo de atividade, que por intermédio da notoriedade, obtém proteção mesmo em relação a produtos ou serviços não idênticos, nem semelhantes.
Obviamente o secondary meaning não pretende que o signo se transforme em alto renome. Contudo, se a marca adquiriu secondary meaning é porque ela se tornou notoriamente conhecida em seu segmento de mercado. E, é justamente esse alcance geral que torna a marca notoriamente conhecida em seu ramo de atividade.
Portanto, a notoriedade no processo de aquisição de distintividade por secondary meaning, é uma qualidade essencial para que a marca possa usufruir de exclusividade.
E, a exclusividade conferida à marca, não repousa sobre ela em si, mas sobre o seu uso para identificar determinado produto ou serviço. Se estes são absolutamente distintos, não há que se falar em violação.
Ainda que não haja legislação específica a respeito, as restrições que o INPI impõe contra a aplicação de secondary meaning devem ser superadas, uma vez que este goza de amplo respaldo doutrinário e forte aplicação jurisprudencial para que seja concedida proteção marcaria àquelas que distinguem-se, das demais e possuem notoriedade e reconhecimento em seu âmbito de atuação.
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SCHMIDT, Lélio Denicoli. A distintividade das marcas: secondary meaning, vulgarização e teoria da distância. São Paulo: Saraiva, 2013.
FRÓES, Carlos Henrique de Carvalho. Âmbito de proteção à marca. In: Revista dos Tribunais, São Paulo: RT, v. 403, p. 30-36, maio de 1969.
BARBOSA, Cláudio R. Propriedade Intelectual: introdução à propriedade intelectual como informação. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.
BRASIL, Acórdão em Recurso Especial: Superior Tribunal de Justiça, Resp nº 929.604. Relator Ministro Sidnei Beneti. Data do julgamento em 22.03.2011.
BRASIL, Tribunal Regional Federa da 2ª Região, 2ª Turma Especializada, Desembargador André Fontes, AC 2001.51.01.536393-6, Data do Julgamento 19.05.2009
BRASIL, Tribunal Regional Federa da 2ª Região, 2ª Turma Especializada, Desembargador André Fontes, AC 2001.51.01.524645-2, Data do julgamento: 10.09.2009
[1] STJ, Resp nº 929.604. Relator Ministro Sidnei Beneti. Data do julgamento em 22.03.2011. [2] TRF da 2ª Região, A.C’s 2001.51.01.536393-6 e 2001.51.01.524645-2, Desembargador Relator André Fontes, Datas dos julgamentos: 19.05.2009 e 10.09.2009