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Por Lara Costa Andrade



A Importância da Construção do Trade Dress na Moda Brasileira


A velocidade e a dinamicidade da moda fazem com que marcas busquem produzir cada vez mais e em um ritmo acelerado. Contudo, em um cenário de forte concorrência na moda e da busca por ampliar a clientela, muitas marcas acabam por utilizar-se de meios desleais para se destacar no mercado. Nesse panorama, observam-se casos em que há usurpação do conjunto-imagem (trade dress) criado por determinada marca.


Como apontado por Débora Portilho (2008), o trade dress pode ser entendido como a “identidade visual” do produto ou serviço, de modo que este será tutelado exclusivamente pela concorrência desleal (BARBOSA, 2010, p. 722). O trade dress é instituto subjetivo que corresponde a composição de todos os elementos de um certo produto ou serviço que o torna reconhecido pelo público. É imprescindível, portanto, a atuação da marca na criação e aplicação desse conjunto-imagem, construindo uma ligação entre o produto comercializado e seus consumidores (BARBOSA, 2011, p. 06).


Embora no Brasil não haja previsão legal sobre o trade dress, a doutrina e a jurisprudência arquitetam a construção do entendimento nacional sobre o tema, tornando-se essencial para a resolução de casos em que há verificação de hipóteses de concorrência desleal, o qual possui tutela pela Lei de Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/1996).


Um dos primeiros casos de reconhecimento de trade dress na moda brasileira envolveu as marcas Mr. Cat e Mr. Foot, em que esta reproduziu toda a configuração da loja daquela para criação de sua própria loja. A Mr. Cat, embasando-se do argumento de concorrência desleal, ingressou com uma ação contra a Mr. Foot, e esta foi condenada ao pagamento de indenização, assim como foi condenada a alterar toda a disposição da loja para não mais se assemelhar ao conjunto-imagem criado pela Mr. Cat (BACKX, 2013, p. 189).


No entanto, um dos mais conhecidos casos de trade dress no país envolveu a marca francesa, Hermès, e a marca brasileira, Village 284. A Village 284 lançou uma coleção intitulada de “I’m not the original” - cuja tradução é “Eu não sou a original” - reproduzindo bolsas similares às renomadas bolsas Kelly e Birkin da Hermès. Ao se analisar as bolsas concorrentes, a diferença entre elas, dentre outras, dá-se quanto ao material utilizado e ao valor comercializado, visto que as bolsas brasileiras eram de feitas de algodão e vendidas por cerca de R$ 400,00 reais, enquanto as bolsas francesas eram produzidas em couro e comercializadas em valores que ultrapassam R$ 30.000,00 reais (SKIBINSKI, 2014, p. 23).


A questão envolveu o Poder Judiciário brasileiro, o qual, em primeira instância, entendeu que a comercialização das bolsas da Village 284 poderia gerar confusão no consumidor e ferir o renome da Hermès. Sendo assim, a Village 284 foi condenada a indenizar a Hermès por danos morais e danos materiais pelas práticas de contrafação e concorrência desleal. A Village 284 também foi condenada a cessar a produção e comercialização dessas bolsas que replicavam o conjunto-imagem das bolsas francesas.


Entretanto, um dos pontos da condenação que mais chamam atenção, diz respeito a condenação da Village 284 em expor em jornal de grande circulação na cidade de São Paulo a sua conduta desleal, bem como a elencar a autoria da Hermès quanto a originalidade das bolsas. Tal exposição é um dos elementos vitais no mundo da moda: para sanar os danos causados ao trade-dress da Hermès, a exposição pública é essencial para apaziguar os danos causados ao nome e imagem da marca Hermès no Brasil, como também no restante do mundo, cristalizando o renome da marca francesa, e consequentemente, o seu conjunto-imagem.


A Village 284 recorreu da sentença e, em segundo grau, a condenação permaneceu, reconhecendo que as bolsas da Hermès tratam-se de verdadeiras obras de artes e que a marca brasileira atuou de forma desleal e parasitária e violou direito autoral da marca francesa, conforme ementa transcrita abaixo:



DIREITOS AUTORAIS. Bolsas Hermès. Ação declaratória e Reconvenção. Reconvenção procedente Bolsas Hermès constituem obras de arte protegidas pela lei de direitos autorais. Obras que não entraram em domínio público. Proteção garantida pela lei 9.610/98. A proteção dos direitos de autor independe de registro. Autora/reconvinda que produziu bolsas muito semelhantes às bolsas fabricadas pelas rés/reconvintes. Imitação servil. 

Concorrência desleal configurada. Aproveitamento parasitário evidenciado. Compatibilidade da infração concorrencial com violação de direito autoral reconhecida. Dever de a autora/reconvinda se abster de produzir, comercializar, importar, manter em depósito produtos que violem os direitos autorais da Hermès sobre a bolsa Birkin ou qualquer outro produto de titularidade das rés/reconvintes. Indenização por danos materiais e morais. Condenação mantida. Recurso desprovido. (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2016, p. 02). 


Nesse sentido, pode-se verificar dos casos mencionados que “o ponto chave para a constitucionalidade da proteção do trade dress é a satisfação completa e intensa do requisito de distintividade como secondary meaning” (BARBOSA, 2010, p. 722). O secondary meaning – que pode ser traduzido para português como “significação secundária” - refere-se ao conhecimento pelo público da marca, associando um símbolo a determinada origem de produtos ou serviços (BARBOSA, 2010, pp. 774-775). É essa percepção pelo público que torna o produto ou serviço notório e, na moda, tal instituto torna-se um elemento extremamente poderoso e almejado por várias marcas.


Pelo exposto, infere-se que a moda é um expoente em criações de trade dress no Brasil e no mundo, demonstrando a importância de o direito acompanhar as mudanças trazidas por este setor, visando dar a devida proteção jurídica para aqueles detentores do processo criativo solidificado em um produto ou serviço de uma determinada marca. Isso ocorre pois o conjunto-imagem notabiliza a potência e renome que uma determinada marca pode ter na indústria da moda, principalmente através de seu secondary meaning. Nesse ponto, observa-se que mesmo com legislação ausente sobre o tema, o Brasil vem construindo a proteção do trade dress na moda através dos mecanismos de concorrência desleal aplicados pelo Poder Judiciário em suas decisões, o que evidencia a necessidade de discussão sobre o tema para conscientização da possibilidade de proteção do conjunto-imagem dentro na moda brasileira.


***

BACKX, Hugo Borges. Design e Propriedade Intelectual: vínculos e interações. Tese de Doutorado da PUC-Rio, 2013. Disponível em: <https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/21849/21849_6.PDF>. Acesso em 09 de jul. de 2021.

BARBOSA, Denis Borges. Do trade dress e suas relações com a significação secundária. Nov. 2011. Disponível em: < https://www.yumpu.com/pt/document/read/12503132/do-trade-dress-e-suas-relacoes-com-a-significacao-secundaria- >. Acesso em 10 de jul. de 2021.

BARBOSA, Denis Borges. Uma Introdução à Propriedade Intelectual. Lumen Juris, 2010. 2ª Ed. Rev. e Atual. Disponível em: < https://www.dbba.com.br/wp-content/uploads/introducao_pi.pdf>. Acesso em 10 de jul. de 2021.

MIGALHAS. Justiça paulista proíbe Village 284 de comercializar produtos que violem direitos autorais da Hermès. Publicado em 26 mai. 2011. Disponível em: < https://www.migalhas.com.br/quentes/134166/justica-paulista-proibe-village-284-de-comercializar-produtos-que-violem-direitos-autorais-da-hermes>. Acesso em 15 de jul. de 2021.

QUINELATO, Pietra Daneluzzi. Fashion Law: direito e moda no Brasil no âmbito dos tribunais. PIDCC, Aracaju/Se, Ano VIII, Volume 13 nº 02, p.252 a 268 Jul/2019. Disponível em: <http://pidcc.com.br/17072019.pdf>. Acesso em 17 de jul. de 2021.

SKIBINSKI, Franciele Huss. O Fashion Law no Direito Brasileiro. 2014. Disponível em:<http://www.abapi.org.br/abapi2014/pdfs/monografias/Monografia%20Francielle%20Huss.pdf>. Acesso em 15 de jul. de 2021.

SOUZA, Deborah Portilho Marques de. Trade dress: a identidade visual sob a proteção da propriedade intelectual. Publicado em jun. 2008. Disponível em: <https://www.dportilho.com.br/trade-dress-a-identidade-visual-sob-a-protecao-da-propriedade-intelectual/>. Acesso em 09 de jul. de 2021.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Apelação nº 0187707-59.2010.8.26.0100. Relator: Costa Neto. 9ª Câmara de Direito Privado. Data de Julgamento: 16/08/2016.



Lara Costa Andrade. Pós-graduanda em Fashion Law pela Faculdade Santa Marcelina. Bacharel em Direito pela Unesp. Advogada Júnior no Morata, Galafassi, Nakaharada e Serpa Advogados (MGA Advogados). São Paulo – SP, Brasil.

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