
Empresas do mundo fashion, além da necessidade de estar em constante atualização de peças e estoques, com investimentos em inovações, produtos e incorporação de tecnologias, são alvos de terceiros mal-intencionados que visam não apenas concorrer diretamente, mas parasitar o investimento alheio, usurpando-o de forma parasitária, por meio dos ativos intangíveis, como as marcas de grandes empresas.
Dá-se o nome de concorrência parasitária à modalidade de atos ilícitos praticados por terceiros que, apesar de não concorrerem diretamente com determinada empresa, seja por não atuarem perante o mesmo público ou em setores que não sejam idênticos de produtos e serviços, mas que usam do prestígio alheio como uma forma de angariar clientes e se beneficiar de investimentos que não são seus. Em outras palavras, a empresa que parasita pretende causar associações indevidas nos consumidores, mesmo que não seja a confusão em si.
Por isso, surgem as preocupações com a proteção dos sinais distintivos como forma de prevenção de fraudes e concorrências desleal. Uma das precauções é o registro das marcas de nos Institutos de Propriedade Industriais locais (ou em todos os países estratégicos à empresa) visando evitar a usurpação de prestígio e investimento, ou, ainda, impedir que terceiros se beneficiem por associações indevidas causadas aos olhos do consumidor, em detrimento da marca original.
Como exemplo, surgem empresas que visam aproximar as suas marcas de outras que já são conhecidas, reproduzindo-as total ou parcialmente, causando confusões ou associações indevidas aos olhos dos indivíduos.
Neste ínterim, a empresa americana titular da marca SUPREME foi surpreendida com os pedidos de registros de marcas que imitavam os seus registros, na França, sob titularidade do empresário CHEIKH, pleiteados em diversas classes, culminando em decisão importante proferida pela Primeira Câmara do Tribunal de Grande Instância de Nanterre.
No caso relatado, a empresa americana é titular de cerca de doze marcas nominativas e mistas, reconhecida internacionalmente no mundo fashion, destacando-se na alta qualidade de peças de vestuário relacionados à moda urbana, no estilo streetwear.
Referida empresa foi aberta em 1994 em Nova Iorque e expandiu sua marca pelo mundo, em locais como Japão, Inglaterra e, por fim, foi registrada diversas classes na França desde o ano 1999, na forma nominativa, e em abril de 2015, em forma de marca mista, com letras brancas e um retângulo vermelho. A marca SUPREME passou a atuar com maior consistência na França no ano de 2013, por meio de comércio digital e, em 2016, inaugurou loja física em Paris.
Todavia, a empresa titular da referida marca foi surpreendida com pedidos de registro idênticos no INPI francês pelo Sr. Cheikh, no mesmo ano, apenas alguns dias antes ao seu pedido de registro na forma mista - a empresa realizou pedido de registro em 22 de abril de 2015 e, em 9 de abril, havia depósito de terceiro requerendo registro de marca imitativa na forma mista, nas classes 16, 25 e 32, com depósitos posteriores nas classes 2, 14 e 33. Ainda, houve pedido de registro de marca nominativa muito similar à marca original, apenas com pequenas alterações e, sublinhe-se, nas mesmas classes das marcas da empresa americana.
Tal ato foi contestado pela empresa americana, pois o suposto infrator havia depositado algumas marcas anteriormente, mas nenhuma possuindo similaridade com as marcas da empresa americana e sequer usava referido sinal em seus produtos/serviços. Entre os depósitos anteriormente pleiteados, estavam os sinais abaixo esposados.
Como consequência, a empresa americana se opôs administrativamente no INPI francês ao registro de referidas marcas e o Sr. Cheikh desistiu de pedidos de registro marcários em algumas classes (2, 25, 32 e 33).
Contudo, a empresa americana ainda pretendia lutar pelas suas marcas e seu investimento e extravasar os princípios da especialidade marcária e da anterioridade alegados, sendo que, mesmo que alguns dos pedidos de registro do Sr. Cheikh estivessem em classes distintas (14 e 16) e não colidissem diretamente com os produtos comercializados pela empresa, a sua existência seria extremamente prejudicial à SUPREME, diluindo a marca.
Assim, a empresa americana não viu alternativas a não ser buscar o judiciário para resolver o litígio dos registros fraudulentos em ação de nulidade, alegando que o suposto infrator não poderia desconhecer a marca SUPREME e que apesar de em classes distintas, a existência de marcas idênticas causaria associação indevida e confusão.
Nesse ponto, a decisão do caso é de extrema valia para casos similares, pois foi invocado entendimento jurisprudencial que afirma que, para ser considerada a fraude não são necessários direitos consolidados anteriormente, apenas a intenção fraudulenta, ou seja, bastava que a empresa americana fosse impedida de desenvolver sua atividade econômica pelos efeitos consequências das marcas fraudulentas, haja vista que as marcas do Sr. Cheikh criaram, de forma má intencionada, um obstáculo ao objetivo e finalidade da empresa americana.
Ainda, o Tribunal invocou precedente em julgamento de marca comunitária europeia, no qual as noções de má-fé são aduzidas a partir dos seguintes elementos: (i) se o requerente do registro da marca supostamente fraudulenta e/ou imitativa tiver a possibilidade de saber da existência de sinal semelhante em território comunitário; (ii) se a intenção do requerente fraudulento poderia impedir que outros utilizem o sinal, e, por fim, (iii) quais proteções teriam os signos de terceiros e qual a proteção daquele requerido em intenção supostamente fraudulenta.
Com o julgamento, o Tribunal entendeu que não seria possível que as marcas imitativas desconhecessem a marca SUPREME, que atua no ramo de roupas e similares para as classes afins. Quanto aos registros nas classes 14 e 16, foi considerado que, mesmo que não fossem classes similares às da empresa americana, os produtos poderiam ser vendidos em estabelecimentos similares, causando confusões aos consumidores e associações indevidas, extravasando o poder distintivo do signo além das classes afins. Portanto, considerando a notoriedade da marca SUPREME, a identidade aos sinais fraudulentos e a possibilidade de concorrência mesmo que indireta, haveria risco de associação entre as empresas, mesmo para os produtos que a empresa americana não comercializa.
Como resultado, o Tribunal condena em fraude os pedidos de registro do Sr. Cheikh e ordena a transferência de suas marcas para a empresa americana, acompanhada de indenização.
Casos como esse são importantíssimos na construção de uma jurisprudência que vai além da impossibilidade de coexistência de marcas idênticas e concorrentes diretas, mas que analisam todo o contexto no qual estão inseridas, ou seja, marcas que não possuam registro em determinadas classes ou possuam registros posteriores, provando a boa-fé e o efetivo uso, bem como a intenção fraudulenta de terceiro, podem ter declaradas nulas as marcas que prejudicam ou possam prejudicar suas efetivas atividades.
PIETRA DANELUZZI QUINELATO
Advogada no Mansur Murad Advogados
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