ENTREVISTAMOS MÁRCIO GONÇALVES

Márcio Gonçalves é Diretor Jurídico da Associação Brasileira de Licenciamento (ABRAL), Diretor-adjunto de Relações Internacionais e Comércio Exterior da CIESP, e foi Secretário Executivo do Conselho Nacional de Combate à Pirataria, do Ministério da Justiça. Com mais de duas décadas de experiência na área, fundou Márcio Gonçalves Advogados, escritório de Propriedade Intelectual e de Combate às Fraudes Aduaneiras.
Márcio, você é advogado atuante há muitos anos em Propriedade Intelectual e combate à pirataria. Você pode nos contar como foi o início dessa trajetória?
A área de Propriedade Intelectual sempre foi a que mais chamou a minha atenção, desde os tempos de Universidade, talvez por eu ter em minhas veias muitos ingredientes artísticos, em especial a música, que desde a adolescência sempre esteve bastante presente em meu dia-a-dia.
Finalizando o curso de Direito, em 1993, embarquei para Los Angeles, onde cursei o Musicians Institute, onde respirei música 24 hrs por bons e saudosos 18 meses, o que me aproximou ainda mais do tema Propriedade Intelectual.
Já ao retornar para o Brasil em 1995, comecei a trabalhar em escritórios especializados no tema, e não demorou muito para eu me especializar cada vez mais em combater infrações à Propriedade Intelectual, o que chamamos de combate à pirataria.
Ao longo destes anos, tive a oportunidade e privilégio de defender diversas marcas nacionais e internacionais que muito sofrem com esta prática, e observo que os caminhos encontrados para este combate têm sido muito animadores e ao mesmo tempo, muito desafiadores, em vista, principalmente, da pirataria digital, que hoje, tanto preocupa.
Mas combater a pirataria e valorizar a Propriedade Intelectual vale à pena! As perdas que este crime causa ao nosso país são imensas, e merecem ser mitigadas através de Programas consistentes e frequentes de proteção aos ativos intangíveis!
Na sua opinião, qual foi o maior caso relacionado à moda em que houve apreensão de produtos com a sua atuação?
Além da defesa de diversas marcas de luxo que tenho orgulho de ter liderado, e ainda pretendo liderar, nos segmentos de vestuários, perfumes, cosméticos, bolsas e outros, defendi uma das maiores empresas de manequins da América Latina, em ações judiciais de combate à pirataria de seus bonecos, que estavam sendo reproduzidos integralmente (através de moldes falsos) por fabricantes localizados principalmente em São Paulo e Rio de Janeiro.
Foram algumas ações que culminaram com a busca e apreensão de diversos manequins piratas, além de moldes e maquinários que eram utilizados para este fim. Somente em uma destas ações, dois réus localizados na capital do RJ foram condenados ao pagamento de indenização que superou os R$ 10MM, estando o processo em fase de Execução.
Trata-se de um caso emblemático, e ao mesmo tempo não muito convencional, mas que tenho muito orgulho de ter liderado a tese jurídica, a execução das medidas e do processo em si.
Pela sua experiência, qual o setor que possui mais risco de reproduções ilegais e por quê?
Difícil esta pergunta, pois a pirataria está presente em quase todos os setores da sociedade. Preocupa-me demais a falsificação de itens que podem colocar em risco a saúde e segurança dos consumidores, como são os casos das falsificações de medicamentos, brinquedos, peças de automóveis e aviões, materiais cirúrgicos e até mesmo perfumes, óculos, escovas de dente e tênis, por exemplo, que causam danos às vezes irreversíveis aos usuários.
O caso de pirataria de brinquedos, a título de exemplo, causa enorme preocupação, uma vez que os piratas se utilizam de tintas e plásticos tóxicos na composição destes infelizes produtos, com alto grau de concentração de cadmio, chumbo e mercúrio, substâncias cancerígenas, e certamente as crianças colocarão estes brinquedos sem qualidade em suas bocas.
No caso de perfumes, cosméticos e produtos de beleza, infelizmente, a pirataria é presente, e as consequências no uso de produtos piratas desta natureza, afeta diretamente a saúde dos consumidores, causando reações alérgicas graves e importantes, e muitas vezes difíceis de tratar.
Ou seja, só ganha o pirata, e perdem as empresas legais e a sociedade em geral. Não vale o risco!
Nesses anos, você acredita que o combate à pirataria na moda tem se mostrado mais intenso?
Acredito que o combate à pirataria, em geral, nos últimos 15 anos, tem sido reforçado até mesmo pela conscientização das autoridades públicas responsáveis por este enfrentamento, que entenderam o que está por trás deste ilícito – organizações criminosas que financiam crimes mais graves através da venda de produtos piratas, aproveitando a aceitação da sociedade com este tipo de prática.
A criação do Conselho Nacional de Combate à Pirataria - CNCP, em 2004, do qual fui o primeiro Secretário Executivo (anos de 2005 e 2006), auxiliou para um melhor debate entre sociedade civil organizada e Governo, acerca dos caminhos possíveis de combater este ilícito, assim como contribuiu para um entendimento mais amplo sobre as dificuldades encontradas para este enfrentamento.
Houve, também, uma maior união de esforços entre as autoridades públicas federais (Receita Federal e Polícias Federal e Rodoviária Federal), que passaram a realizar ações mais integradas, e que trouxeram ótimos resultados, com recordes e recordes de apreensão de produtos piratas, ano após ano.
Por outro lado, as agências reguladoras (INMETRO, ANATEL e ANVISA, especialmente), começaram, nos últimos anos a desenvolver mecanismos mais eficientes de fiscalização e combate a produtos falsificados e irregulares, trazendo um aumento importante no número de produtos apreendidos.
E por fim, atualmente, vemos um movimento recente e bastante importante, no combate ao comércio ilegal na cidade de São Paulo, o grande polo na oferta e comercialização de pirataria, no Brasil, com ações frequentes e integradas, lideradas pela Prefeitura, em conjunto com a Receita Federal, Guarda Civil Metropolitana, e outros órgãos.
Ou seja, apesar das preocupações com a pirataria serem bastante sérias, podemos evidenciar alguns importantes avanços, nos últimos anos.
É importantíssima a conscientização dos consumidores, que ao comprarem produtos piratas, estão financiando o crime organizado. Isso é fato!
Em sua opinião, por quais meios uma empresa do ramo da moda deve se prevenir antes do lançamento de uma coleção?
Uma boa pergunta. Inicialmente, estar bem assessorada por profissionais da área de PI para a fase anterior ao lançamento de produtos, promovendo todos os registros necessários para que possa exercer uma proteção eficiente ao produto que será lançado.
Assim, uma acurada busca anterior envolvendo marcas, desenhos industriais e até mesmo patentes, é essencial, acompanhada pelos posteriores registros, se viáveis. É necessário se cercar de todas as ferramentas eficientes para poder fazer valer o seu direito de proteção contra uma eventual concorrência desleal.
Também, uma boa assessoria jurídica envolvendo todos os contratos de cessão ou de licença para uso de PI é bastante recomendável, a fim de dar segurança à proteção dos ativos intangíveis, se necessário, no futuro.
Mas o mais importante ocorre após o lançamento. Só se copia aquilo que faz sucesso, e os piratas são bem atentos ao que faz sucesso. Não deixar a pirataria tomar contornos incontroláveis, é uma excelente dica. Agir, com rigor, ao perceber que determinado produto/marca está sendo copiado, é o melhor remédio, pois se o “câncer” da pirataria se alastrar, sem que medidas sejam adotadas, muitas vezes o remédio nunca será suficiente para controlar esta grave doença.
Ou seja, e finalizando, de forma resumida: cercar-se de profissionais experientes em PI; realizar buscas prévias e registros posteriores, e atacar, com rigor, desde o início, os casos de pirataria, parece ser uma receita bem eficiente para a proteção de ativos intangíveis, e para a proteção e manutenção da imagem das marcas no mercado; algo bastante valioso.