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DIREITO AUTORAL DOS MEMES E OS RISCOS DE SEU USO EM CAMPANHAS 
PUBLICITÁRIAS
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Vivemos a chamada Era Digital, na qual temos acesso rápido a qualquer tipo de informação, a todo tempo, em qualquer lugar do mundo. Desde a década de 90, quando a internet alcançou grande parte da população, o mundo se conectou através dessa teia digital. Foi possível ter acesso a notícias em tempo real. O armazenamento digital de documentos possibilitou a perpetuidade de dados históricos, o que sem dúvidas contribuiu para uma evolução cultural, intelectual, científica e artística.

 

Vale ressaltar que não foi só no final do século XX que esse termo ‘era digital’ foi utilizado. Ele emergiu no contexto da Terceira Revolução Industrial, pós Segunda Guerra Mundial, que culminou em avanços tecnológicos e científicos na indústria, agricultura, pecuária, comércio e na prestação de serviços.

 

A revolução nos meios de comunicação trouxe, e ainda traz, mudanças na sociedade, nas relações entre indivíduos e, consequentemente, no direito vigente, que sofreu alterações para acompanhar as demandas da atualidade. A proteção do Direito Autoral não poderia ser deixada para trás. Ao mesmo tempo que essa revolução nas comunicações trouxe avanços em diversas  áreas, também serviu como um alerta no campo de proteção dos direitos da personalidade e dos direitos de autor.

 

Com a mesma rapidez que as obras intelectuais são divulgadas no ambiente digital, o autor vai se distanciando de sua obra, ficando mais suscetível a ser vítima de usurpação intelectual, como o crime de plágio.

 

Não há dúvidas que a evolução digital deu ao criador meios que inovaram a sua forma de criar e de se expressar, o que estimulou o crescimento e aprimoramento do marketing digital. É indiscutível que esse novo universo interativo impactou diretamente na divulgação de produtos e nas relações de consumo, gerando o fortalecimento das marcas através da sofisticação das propagandas. Cada vez mais as empresas exigem que sua publicidade traga novidades que acompanhem as novas gerações, com o objetivo de que a propaganda viralize nos meios digitais. E quando se fala em ampla divulgação na internet difícil não pensar nas criações conhecidas como memes.  E sua utilização em campanhas publicitárias surgiu nesse contexto.

 

Meme, segundo o dicionário de Oxford, significa “um elemento de uma cultura ou de um sistema de comportamento passado de um indivíduo para outro por imitação ou outros meios não genéticos.” O termo foi utilizado pela primeira vez pelo zoólogo Richard Dawkins para se referir a uma unidade equivalente ao gene (seção do DNA que tem como objetivo criar cópias de si mesmo) no campo da cultura humana.

 

O termo meme vem do grego mimeme que significa imitação. O conceito de meme, no entanto, é bastante amplo, abrangendo ideias ou partes de ideias, línguas, sons, desenhos, capacidades, valores estéticos e morais, ou qualquer outra coisa que possa ser aprendida facilmente e transmitida rapidamente como unidade autônoma, alcançando muita popularidade.

 

No mundo da internet, os memes são criados através da junção da imagem de uma pessoa, desenho ou montagem, geralmente atrelada a uma frase, com um conteúdo humorístico, crítico ou satírico, capaz de ser reconhecida por um elevado número de pessoas. Para atingir a maior quantidade de pessoas possível, os memes não raramente se utilizam de obras de terceiros, como fotografias, trechos de músicas, constituindo verdadeira obra derivada. Nesse caso, sua utilização fica condicionada a devida autorização e, na ausência desta, pode-se afirmar que haverá violação dos direitos dos criadores da obra originária ou do direito de imagem da pessoa retratada.

 

Segundo o artigo 7º da Lei 9.610 de 1998, Lei de Direitos Autorais, “são obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro”. O artigo possui um conceito amplo, seguido por uma série de incisos que constituem um rol exemplificativo, sendo perfeitamente possível incluir em tal rol a definição de meme.

 

Pode-se extrair do artigo 29 da referida Lei que a utilização de uma obra por quaisquer modalidades, seja por meio de reprodução, edição ou exposição, depende de autorização prévia e expressa do autor, inclusive no caso de quaisquer outras modalidades de utilização existentes ou que venham a ser inventadas.

 

Não há como negar que a Lei de Direitos Autorais consegue abarcar os memes em seu campo de proteção. No entanto, não é todo e qualquer meme que veiculado irá ferir direitos de terceiros. A própria lei, em seu artigo 46, lista uma série de limitações aos direitos autorais, ou seja, formas de reprodução, utilização e representação que não constituem ofensa aos direitos de autor. O objetivo da lei é possibilitar a concepção de novos conteúdos artísticos, desde que deem um significado diferente à obra original.

 

Podemos citar as paródias como exemplo, as quais são bastante comuns dentro do universo dos memes e, desde que não sejam verdadeira reprodução da obra original, tampouco impliquem em descrédito à obra, não esbarram na preservação dos direitos autorias. Outro exemplo que vale a pena ser citado é a reprodução em um meme de uma obra fixada em local público. O artigo 48 da Lei de Direitos Autorais dispõe que é livre a representação de obras situadas permanentemente em logradouros públicos por meio de pinturas, fotografias e procedimentos audiovisuais. Esta representação não violaria direitos de terceiros, o que revela a preocupação do legislador em não engessar as formas de expressão através de novas produções artísticas. 

 

Fato é que tais limitações são essenciais para a proteção do direito de acesso à cultura e liberdade de expressão e pensamento. Nota-se que a própria lei que protege os direitos de autor cria exceções para que essa proteção não seja tão rígida. Então surge a seguinte pergunta: por que a reprodução de um meme em uma campanha publicitária poderia gerar riscos para a propaganda de uma marca?

 

Quando se trata de um meme amplamente veiculado nas redes sociais, deve-se pensar primeiramente quem é o seu autor, o que pode ser uma das maiores dificuldades, já que na maioria das vezes o meme não é atrelado ao nome do seu criador. E não adianta usar a justificativa de que o meme foi reproduzido por diversas pessoas, pois uma vez que uma empresa utiliza um meme em sua campanha publicitária ela irá auferir lucro com a propaganda, o que é diferente de uma pessoa que divulga o meme sem a expectativa de obter qualquer retorno financeiro.

 

Além disso, quando a empresa utiliza um material nesse formato sem autorização, facilmente ela virará alvo de futuras ações judiciais reivindicando os direitos de autor feridos. Um exemplo é o caso envolvendo a rede Domino’s Pizza. Por meio de sua plataforma digital, uma das franquias da empresa divulgou um meme que rapidamente teve sua autora identificada pelos próprios internautas clientes da marca. O crime de plágio restou configurado e foi feito um acordo entre a rede e a autora do meme.

 

Outro ponto relevante é que grande parte dos memes utiliza imagens de pessoas atreladas a alguma frase com conteúdo humorístico. É preciso estar atento a duas questões. A autorização da pessoa retratada na imagem é imprescindível, mesmo que sejam personalidades ou pessoas públicas. Além disso, o fato de a imagem estar disponibilizada na internet pelo seu próprio titular em perfil público nas redes sociais não configura uma autorização tácita para que esta imagem possa ser utilizada por terceiros na criação de memes. Os Tribunais entendem que, por se tratar de direitos fundamentais da personalidade, a autorização para a utilização da imagem deve ser expressa e a mera disponibilização da imagem de forma pública na internet, mesmo que feita pelo próprio titular, não configura cessão de direitos. 

 

O segundo cuidado que deve ser tomado é observar que precisa haver uma ponderação entre os direitos fundamentais, dentre eles o direito de imagem e a liberdade de expressão. Ambos encontram-se protegidos pela Constituição Federal e não são direitos absolutos. Sua relativização deve ocorrer, por exemplo, quando o conteúdo do meme deixar de ser uma crítica bem humorada para tornar-se um meio de ridicularizar a pessoa exposta. A liberdade de expressão deve sofrer limitações quando o conteúdo da criação for vexatório, ofensivo. A extrapolação desse limite pode violar a honra da pessoa, podendo culminar em uma condenação e consequente indenização por danos morais.

 

Toda campanha publicitária envolve um processo de criação para divulgação da marca que busca cada vez mais se destacar em relação as suas concorrentes. Os avanços tecnológicos e a rapidez com que as informações são difundidas nos campos digitais vão sempre influenciar as criações publicitárias. Nesse contexto, os memes se mostraram uma excelente ferramenta de divulgação. Se forem utilizados seguindo os parâmetros da Lei de Direitos Autorais e de outras leis, contribuirão para que a publicidade atinja o maior número de pessoas possível em um curto espaço de tempo. Mas é necessário cautela no momento da escolha do meme, para que os direitos de todas as pessoas envolvidas em sua criação sejam respeitados. Da mesma forma que sua veiculação chama atenção e é facilmente gravada na memória do público alvo, os memes podem prejudicar negativamente a reputação da marca, deixando uma mancha que pode ser difícil de ser apagada.

 

Por Daniella Lopes - pós-graduanda em Fashion Law pela Faculdade Santa Marcelina e advogada formada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

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