A PROTEÇÃO SUI GENERIS DA MODA - Thaylla de Carvalho Pompilio

A França e os EUA são os dois mercados mais desenvolvidos na indústria da moda e possuem modelos jurídicos de proteção completamente diferentes, o que muito se discute qual seria o mais adequado meio de proteção. Em razão disso, os dois sistemas são o droit d’auteur (francês ou continental) e o copyright (americano).
No modelo americano, os designs de moda são excluídos da proteção pela propriedade intelectual, sendo possível apenas a proteção de alguns elementos separados da peça ou a marca efetiva no produto. Já no modelo francês, a proteção dos designs de moda é unicamente realizada pelo direito autoral.
O sistema do copyright protege especificamente a obra, sem considerar o processo de criação como um todo, admitindo de tal modo que uma pessoa jurídica possa ser considerada o autor de uma obra, contentor do direito autoral. Ou seja, a obra recebe mais atenção do que o próprio autor, sendo um título econômico, que diverge da legislação brasileira pois, o autor é o centro da proteção, afinal, a obra é vista como uma manifestação da personalidade do autor, que gera os direitos morais de natureza inalienável e irrenunciável.
Ao interpretar o modelo americano, percebe-se que as regras são aplicadas para obras autorais originais. Até esse ponto, os designs de moda poderiam ser incluídos, mas existe a exceção que para ser protegido pelos direitos autorais no modelo estadunidense, as obras não podem ser utilitárias. Dito isso, pode-se concluir que para o direito americano, a cópia dos designs de moda é perfeitamente legal, mesmo sendo peças protegidas pela marca, as criações de moda são passíveis de cópia.
Raustiala e Sprigman argumentam, diferentemente do óbvio, que a falta de proteção pela propriedade intelectual não resultou na ausência ou diminuição de inovação no setor da moda. Contrariamente, as empresas e indústrias de moda nunca foram tão bem-sucedidas. Algumas características essenciais da indústria da moda, como a sazonalidade, volatilidade, ciclo de vida curto de produto, levam à inovação, mesmo utilizando a cópia, se inova mais ainda por causa da cópia. Remetendo-se assim, à Idade Média quando a burguesia passou a ter poder aquisitivo, estes copiavam os nobres, que não gostavam de serem copiados e inovavam a cada vez as suas roupas, gerando um ciclo de cópia e inovação, estendendo-se até hoje na atualidade, tal fenômeno é denominado paradoxo da pirataria. A cópia de uma tendência específica leva ao esgotamento do seu valor como novidade, o que estimula aos criadores de moda a lançarem novas tendências, o que gera uma inovação.
O modelo francês é considerado o mais extensivo de proteção aos designs de moda, pois, o Code de la Propriété Intellectuelle estende a proteção pelos direitos autorais. Baseado na Convenção de Berna, a proteção é conferida automaticamente, ou seja, independente de registro, e o prazo de duração é estendido após a morte do autor por 70 anos a partir de primeiro de janeiro do ano subsequente ao da morte, igualmente ao Brasil.
O professor Alain Strowel, explica droit d’auteur como direito natural, com propriedade natural, justificação moral, primazia do interesse privado do autor, direito do criador, prerrogativas morais e econômicas e longa duração de proteção (calculada a partir da morte do criador); e copyright como direito positivo, monopólio legal, justificação econômica, preeminência do interesse do público, direito do empresário, prerrogativas exclusivamente econômicas e curta duração de proteção (calculada a partir da publicação da obra).
O âmbito da moda no direito é sui generis, ou seja, é único no seu gênero, como é particular não tem como existir qualquer correspondência igual ou semelhante para ocorrer comparações. O direito autoral é de passível aplicação na moda, para diversos jeitos, não apenas para o sketch, que é o desenho feito pelo próprio estilista. Abrange ao direito de imagem da modelo como também ao direito do fotógrafo e suas fotos, além do direito do trabalho de todos os trabalhadores da cadeia produtiva.
As criações de desenhos, rascunhos, retalhos, livros de tendência e tantos outros itens são protegidos pelo direito autoral pela moda. Na prática, a aplicação de um direito que não possui a necessidade de registro pode acabar sendo duvidosa e mais passível de litígios judiciais. As criações de moda são passíveis de proteção pelo direito autoral ou pelo desenho industrial, desde que os seus requisitos legais de cada um dos institutos estejam preenchidos. O design como um todo não está qualificado para a proteção total pela propriedade intelectual, mas, determinados elementos que compõe o design podem ser protegidos pelo instituto da propriedade intelectual.
Uma lei que garantisse um direito sui generis para os designs das criações de moda iria garantir uma proteção ao resultado final de uma combinação original de elementos já existentes no mundo da moda. Caso acontecesse, não seria necessária uma grande diferenciação dos designs para a proteção, pois a propriedade industrial se fundamenta na diferenciação, o que sustenta que qualquer pequena modificação tornaria a proteção conferida virtualmente insignificante.
Conclui-se que os designs das criações de moda, não atendem aos requisitos para proteção pelo direito autoral ou desenho industrial, em vista à utilização das criações de moda e pelo design das criações serem uma composição de elementos previamente conhecidos, restando a dúvida sobre os requisitos de novidade e originalidade.
O ordenamento jurídico brasileiro adota um sistema de proteção que difere do copyright, pois não nega a proteção do design e ao mesmo se difere do sistema francês, pois não unifica a proteção pelos direitos autorais. Enquanto o copyright nega a tutela das criações de moda, o sistema francês oferece a proteção, mas é diferente do Brasil. No francês, as obras de cunho industrial são sujeitas às mesmas leis que regulam a propriedade artística e literária.
Diferenciando-se do regime francês, o Brasil adotou a opção da distinção das obras de arte pura dos desenhos industriais, mas a distinção não significa separação. Dito isso, o design não é separado da indústria, mas apenas distinto. Conforme o entendimento de João da Gama Cerqueira, os desenhos e modelos industriais representam uma fusão perfeita entre a arte e a indústria, não se separam, mas ao mesmo tempo não se confundem.
Conforme a legislação brasileira, é perfeitamente possível que determinado design com características industriais, seja protegido pelo desenho industrial como também pelo direito autoral.
A distinção da criação artística e a produção industrial não pode ser vista como impedimento de proteção pelo direito autoral e ao mesmo tempo de um produto industrial. Mesmo existindo a LPI e a LDA, que embora delimite situações jurídicas distintas, não impede que, caso os requisitos estejam preenchidos, possa ser considerado o reconhecimento da acumulação em um único produto as duas proteções em seu favor.
Thaylla de Carvalho Pompilio
Pós graduanda em Fashion Law pela Faculdade Santa Marcelina (FASM)
Graduada em Direito pela Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP)
Diretora da área de Fashion Law e Entretenimento da plataforma Digital Rights
Co-fundadora do @whatmeansfashionlaw
Advogada no Sturari Advogados
ROSINA, Mônica Steffen Guise; CURY, Maria Fernanda. Fashion Law: direito e moda no Brasil. São Paulo: Thomson Reuters, 2018. MARIOT, Gilberto apud STROWEL, 1993. Fashion Law: a moda nos tribunais. Estação das Letras e Cores, 2016.