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BLOCKCHAIN COMO IMPULSIONADOR DA SUSTENTABILIDADE NA INDÚSTRIA DA MODA - Ana Luiza Siepierski

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A indústria da moda busca cada vez mais a transparência na sua cadeia produtiva. Os objetivos são vários, desde querer informar ao consumidor a trajetória da confecção, até estar inserido no chamado ‘mercado sustentável’. Todavia, com o advento da tecnologia Blockchain, estar inserido neste mercado apenas pelo status tem ficado cada vez mais difícil. Isso porque, o sistema confere um padrão de transparência absoluto, capaz de atenuar o trabalho análogo à escravidão, o greenwashing, bem como apresentar sugestões sustentáveis para o descarte das peças.

Blockchain ou “protocolo de confiança” é uma tecnologia de banco de dados e registros imutáveis, que são armazenados de forma distribuída e visível a todos, como medida de segurança. Funciona como um livro-razão, permitindo que as operações sejam realizadas de forma segura, rastreável e transparente. O registro de uma transação, por exemplo, fica contido numa rede de milhões de computadores que trabalham em consenso.

Por mais distante que pareça, a implementação da tecnologia no vestuário já acontece. Neliana Fuenmay, fundadora da A Transparent Company (rede de especialistas na área de inovação em moda sustentável), foi pioneira na utilização do Blockchain na cadeia produtiva de uma peça de roupa. Hoje o controle de entrada e saída dos lotes de um tecido, por exemplo, exige a emissão de nota fiscal e as informações sobre esse lote ficam arquivadas com os produtores. Tal processo é repetido até o final em cada passo da cadeia produtiva da peça. Quando o Blockchain é utilizado, no entanto, tais informações tornam-se acessíveis para todos que tenham o leitor de QR Code.

Da tosa das alpacas ao ateliê de Martine Jarlgaard, a trajetória da primeira peça de roupa foi registrada e rastreada através do Blockchain. A parceria entre a Provenance (empresa inglesa de desenvolvimento de software), A Transparent Company e a agência de inovação da London College of Fashion viabilizou a construção do histórico da peça, um jumper, com riqueza de detalhes. Permitindo ao consumidor, através da leitura do QR Code, a rastreabilidade do jumper. A implementação do sistema de Blockchain na moda em território brasileiro, teve início com o Instituto Alinha em 2018, com o objetivo de tornar as relações entre produtor e consumidor mais transparentes. Assim, o Alinha em parceria com o Instituto C&A utilizaram a ferramenta do protocolo de confiança permitindo a rastreabilidade da produção das roupas e a publicação das informações, auxiliando na transparência das marcas.

Isto posto, Neliana Fuenmay entende que empresas devem ser 100% transparentes e os processos devem ser compartilhados independente de como sejam feitos. “Transparência provavelmente não será uma tendência passageira e as marcas preocupadas com sua reputação irão se aproximar do consumidor por meio dela”, aposta ela.

Fato é que nem toda empresa tem alpacas com boa alimentação e tosa para serem apresentadas aos consumidores. Por vezes, as fábricas de bolsas, calçados e vestuário têm mulheres, crianças e idosos trabalhando em situações precárias, obrigados a produzir até a exaustão. O que dificulta a implementação de qualquer tecnologia que possa impulsionar um processo mais transparente e sustentável.

A Louis Vuitton em meados de 2017 pagou para esconder o fato de que seus calçados são produzidos integralmente na Romênia. Isso porque, apenas o solado dos calçados da grife são colados na Itália, daí o “made in Italy”. Países como Romênia e China – onde a legislação trabalhista é mais branda – são escolhidos, quando o objetivo é obter lucro com mão de obra barata.

Por outro lado, são inúmeras as campanhas em prol de um trabalho digno, sustentável e com o devido descarte. A ONG Canadian Fair Trade Network criou uma campanha para chamar a atenção para as condições desumanas de trabalho na indústria têxtil em fábricas de países como Bangladesh, Camboja e Serra Leoa. A proposta é mostrar etiquetas com informações sobre as histórias por traz da produção das peças, com casos de exploração de mão de obra escrava e infantil.

Através da campanha denominada The Label Doesn’t Tell the Whole Story, a ONG quer estimular o consumidor a refletir a respeito da origem dos produtos que consome e das condições em que foram produzidos. Para sensibilizar os consumidores, a ONG produziu fotos em parceria com a agência de publicidade Rethink, com etiquetas que trazem histórias trágicas de trabalhadores. Cada etiqueta diz que o produto é 100% algodão e inclui informações sobre as condições em que as peças foram produzidas.

Desse modo, o Blockchain se torna não apenas uma ferramenta de rastreabilidade, mas também um impulsionador da sustentabilidade, humanizando a produção. Isso porque a transparência per si não implica em grandes modificações, ou seja, para o consumidor não é suficiente saber apenas onde a peça foi feita. Mas em que condições foi produzida e quais as políticas daquela empresa.

Apesar do código informativo da trajetória da peça, é importante que o consumidor se mantenha alerta acerca do modus operandi da empresa na qual está adquirindo o produto. Isso porque poderá contribuir para a prática do greenwashing. Isto é, uma empresa que passa a ideia da utilização de processos sustentáveis, mas na prática não cumpre com o que diz. Por fim, faz-se necessário questionar o que fazer com a peça quando o consumidor opta por descartá-la. Através do QR Code, o fabricante deve sugerir ao consumidor o descarte ideal da peça, visando a sustentabilidade. Como exemplo de descarte, a Suécia criou um shopping dedicado a produtos 100% reciclados, o ReTuna Recycling. As empresas de varejo já investem na política do “cradle to cradle”.

É evidente que a tecnologia Blockchain é capaz de impulsionar a sustentabilidade, atenuar o trabalho análogo à escravidão, o greenwashing, assim como orientar o descarte correto da peça. Apesar do lado obscuro das marcas, o Blockchain tem muito a contribuir, sendo um futuro promissor para a humanização e sustentabilidade da cadeia produtiva.

Por Ana Luiza Siepierski – pós-graduanda em Fashion Law pela Faculdade Santa Marcelina e advogada sócia-fundadora do Lima e Siepierski Advocacia. São Paulo, Brasil.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

COLERATO, Marina. Como o Blockchain Pode Deixar a Moda Mais Transparente e Sustentável. Modefica, São Paulo, 27 de set. de 2017. Disponível em: <https://www.modefica.com.br/blockchain-moda-transparente-sustentavel/#.XPZeCIhKjIW>. Acesso em: 02 de jun. de 2019.

COLERATO, Marina. Made In Italy? Louis Vuitton E Gucci Foram Expostas Por Essa Afirmação Controversa. Modefica, São Paulo, 29 de jun. de 2017. Disponível em: <https://www.modefica.com.br/made-in-italy-louis-vuitton-e-gucci-foram-expostas-por-essa-afirmacao-falsa/#.XPbx64hKjIU>. Acesso em: 04 de jun. de 2019. E se a etiqueta contasse a história de quem fez a sua roupa?. Casa da Sustentabilidade, 2015. Disponível em: <https://casadasustentabilidade.wordpress.com/2015/04/07/e-se-a-etiqueta-contasse-a-historia-de-quem-fez-a-sua-roupa/>. Acesso em: 04 de jun. de 2019.

ETIQUETAS STA ® - PROPOSTAS SUSTENTÁVEIS. Santa Constância, 2019. Disponível em: <http://santaconstancia.com.br/etiquetas/#sustentaveis>. Acesso em: 02 de jun. de 2019.

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O PRIMEIRO shopping do mundo dedicado a produtos reciclados. Hypeness, 2017. Disponível em: <https://www.hypeness.com.br/2017/04/o-primeiro-shopping-do-mundo-dedicado-a-produtos-reciclados/>. Acesso em: 22 de fev. de 2019.

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