
Podemos considerar o denominado Fashion Law como um ramo autônomo do Direito? O direito da moda, ou fashion law, como internacionalmente aceito, sem dúvida congrega os mais palpitantes temas da sociedade, que vão desde os comportamentos humanos, necessidades, culturas de um povo e até a busca pelas melhores tecnologias em um setor que mobiliza grandes cifras em torno de pequenos ou gigantes empresários.
A moda não para nas roupas. A moda pede apelo a acessórios, cosméticos, joias, serviços de eventos relacionados, mídia especializada, moda esportiva, imagem pessoal, dentre inúmeros itens.
Por ser uma expressão ou esforço intelectual, esses produtos ou serviços da moda normalmente merecem proteção, seja pelo valor mental e financeiro dedicado ao atingimento de certas soluções a processos produtivos, por exemplo, tecnologias aplicadas a máquinas de costura, de tinturaria, de estamparia, seja pela proteção à marca, ao nome do criador associado ao objeto da moda ou a autoria dos traços de um croqui.
Nesta esteira, já se imagina a multidisciplinariedade das questões e os desafios do empresário ou inventor dedicado ao setor da moda. Por ser um ramo de consumo intrínseco, todas as questões envolvidas a tal atividade econômica são temas de preocupações jurídicas. Traçando uma régua que pode se iniciar com a criação do espírito (surgimento de obra autoral) e a figura de um estilista, tem-se um caminho longo até a peça chegar no "closet" do cliente.
Partindo do princípio que primeiro surge o criador e a materialização da ideia associada ao produto, as concepções industriais são protegidas pela Lei 9.279/96, ao tutelar as patentes de invenção, os modelos industriais ou desenhos industriais. Em tal direito e todo o sustentáculo da propriedade imaterial estão as regras de proteção à concorrência desleal, que protege o fundo de comércio e o valor associado ao investimento do empresário, bem como os atos de parasitismo.
As marcas da moda são signos distintivos visualmente perceptíveis, seja na sua forma gráfica (nominativas, mistas ou figurativas) ou tridimensional, cujos detentores podem ser o empresário ou a pessoa física que as exploram de forma regular e lícita, com uso exclusivo por seu titular que obteve o devido registro perante a Autarquia INPI, Instituto Nacional da Propriedade Industrial (tudo isso previsto pela Lei 9.279/96). Neste paralelo, a Lei de Direito de Autor, Lei 9.610/98, protege a figura do autor e define o que seria uma obra autoral protegível, como por exemplo um esboço feito à mão ou com ajuda de artes gráficas, e também sanciona as cópias e reproduções indevidas.
Encerrando-se a criação, com a recomendação jurídica de proteção de tais bens intangíveis, passa-se à fase de planejamento comercial e produção.
Sabe-se que a fase de produção da peça da moda é a mais longa dentre o processo de fabricação, portanto, a linha de produção ganha normalmente destaque. Não só o custo à ela atrelado ou a eficiência ligada à qualidade, não se pode olvidar das relações do direito do trabalho (custo humano) as quais despertam uma série de inquietações. Um bom exemplo disso é a iminente mudança de um setor inteiro com a nova proposta de lei de regulamentação de terceirizações e seus limites relacionados à atividade fim. Obviamente, isso, dependendo de como for regulamentado adiante, causará impactos sociais diretos nas relações de trabalho das empresas principais que confeccionam as peças a elas demandadas bem como das demais empresas secundárias que atuam especificamente apenas em parte do processo de elaboração de peças (montagem, estampas, bordados, etc..). Portanto, esse tema do setor da moda continua sendo um desafio relativamente à legislação trabalhista, muitas vezes reguladas por súmulas, como é o caso clássico da Sumula 331 que hoje regula todas as questões entre tomador e prestador de serviços, o que acaba tendo relação direta com o preço final do produto e viabilidade comercial.
O universo da moda comporta um número enorme de relações e contratos. Citamos de forma exemplificada o licenciamento de bens de propriedade intelectual, franquias, comércio internacional, importações, exportações, contrato de fornecimento de produtos, contrato de transporte, modeling, co-branding, licenciamento de direitos pertencentes a pessoas físicas, como direitos de imagem, voz, assinatura, nome, temos também as relações locatícias, com shopping centers, e-commerce, direito digital e do consumidor.
Impossível pensar em um ramo autônomo com tantos elementos do direito entrelaçados no setor. Até o direito ambiental toma corpo com a presença de novos materiais e tecidos que comportam elementos químicos específicos e altamente tecnológicos.
Vislumbrando sigilo em disputas entre marcas e estilistas, mostraram-se altamente recomendáveis a mediação, visando preservar importantes contratos em curso, e a arbitragem em casos de demandas mais complexas e específicas, com o objetivo de evitar prejuízos reputacionais aos envolvidos, em comparação às hipóteses de questões analisadas pelo Poder Judiciário. Evidentemente o mundo da moda merece esse resguardo.
Por fim, navegando em águas turbulentas, os interesses dos players do setor da moda são ainda divergentes, o que nos desestimula a pensar que estar-se-ia diante de uma disciplina autônoma e convergente juridicamente para todos aqueles que ali sobrevivem, como, por exemplo, as grandes queixas de tantos famosos designers face à indústria de fast fashion (como ZARA, C&A, entre outras) com as alegadas cópias.
A despeito de múltiplas questões, é de se ressaltar que o setor exige uma perspectiva integradora da matéria. Todavia, diante de um universo cheio de novidades, tecnologias e formas de comercialização, é ainda receoso pensar em um direito autônomo.

Flavia Mansur Murad Schaal
Doutora em Direito pela Université de Lorraine, França
Sócia do Escritório Mansur Murad Advogados (São Paulo – Brasil)