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No último dia 16, o Instagram decidiu promover uma mudança em sua plataforma: a quantidade de likes das publicações, antes visível para todos os usuários, tornou-se secreta, limitando cada um ao acesso de seu número pessoal de curtidas.

 

A transformação foi proposta com contornos de um verdadeiro “detox”: o fim dos likes veio atrelado a noções de saúde mental, autoaceitação e fim da ditadura do inalcançável. Diante do discurso, a aprovação da medida pelo público, claro, foi ampla. Afinal, quem nunca viu um influenciador bebendo champagne em Mykonos e se sentiu frustrado por estar em São Paulo chuvosa?

 

Passadas mais de duas semanas do fim das curtidas, entretanto, muito se fala sobre as reais motivações da decisão. Na opinião de alguns, apesar do discurso de promoção do bem-estar do user, o banimento dos likes buscou impor fim a uma indústria paralela que não contribuía com os interesses financeiros da plataforma: a venda de likes.

 

Mais que teoria da conspiração, a dúvida foi suscitada pela conduta da própria empresa nos últimos tempos: quatro meses antes de anunciar a novidade, o Facebook, responsável pelo Instagram, processou quatro empresas e três pessoas físicas, todos localizados em Longyan e Shenzhen (China), por venderem likes e seguidores através de contas falsas.

 

Os processos foram movidos perante a U. S. Federal Court sob o argumento de que esses perfis fake poderiam ser utilizados para fins nefastos, como a disseminação de spams, phishing (prática de se obter dados sensíveis de usuários através de anúncios falsos na internet), campanhas falsas e outros esquemas fraudulentos que se tornam rentáveis em grande escala. Em suas próprias palavras, o Facebook defende que “atividades inautênticas não têm espaço na plataforma”.

 

Apesar da nobre preocupação da empresa com a segurança de seus usuários (oito meses após o governo do Reino Unido tê-la multado em £500.000,00 pelo escândalo de vazamento de dados envolvendo a Cambridge Analytica), muito se comentou sobre a possibilidade da mudança ter sido promovida apenas como forma de estímulo à compra de posts patrocinados, oferecidos pelo próprio Instagram, vez que essa indústria paralela de compra de likes representa certa concorrência enquanto ferramenta de ganho de visibilidade pelos usuários.

 

Seja como for, independentemente do real objetivo da empresa, a realidade é que a ocultação dos likes causou impacto relevante na repercussão das postagens. E dizer isso é o mesmo que dizer que o marketing digital, tal como visto antes da data da mudança, terá de se reinventar, em especial aquele relacionado à indústria da moda.

 

Há tempos o desempenho das marcas perante o mercado é intimamente relacionado à figura dos digital influencers. Da moda de massa aos produtos exclusivos, as vendas no mundo fashion sempre vão encontrar no perfil de algum influenciador o potencial de zerar seus estoques. Diante disso, marcas e influencers desenvolveram um relacionamento verdadeiramente mutualístico, tornando-se comum o pagamento de valores estratosféricos por aquilo que muitos ainda veem como um “mero post”.

 

São variados os elementos que levam uma marca a desejar que um sujeito específico se atrele à sua imagem. O perfil do influenciador, suas conexões com outras pessoas, suas parcerias pretéritas, tudo é levado amplamente em consideração no momento de escolher a personalidade perfeita. Mas, acima de qualquer coisa, o que se procura é o user com o maior “engajamento” – conceito que define como e quantos seguidores se relacionam com o conteúdo publicado por aquele indivíduo, o que obviamente depende da quantidade de curtidas. Mas até que ponto?

 

Em estudo realizado para o Jornal do Comércio, a Zeeng – Big Data Analysis, analisou os perfis das 10 marcas com maior volume de seguidores em sua base de dados, nos períodos imediatamente anterior e posterior à retirada dos likes. Dentre elas, 6 pertenciam à indústria da moda nacional: O Boticário, Lojas Renner, Riachuelo, Arezzo, Schutz e C&A.

 

A pesquisa adotou como indicadores os números de “seguidores”, “crescimento de seguidores”, “posts”, “curtidas”, “comentários” e “interações”, calculando, ao fim, a variação do “engajamento médio” nos dois intervalos temporais examinados. Os resultados foram bastante interessantes: apesar de uma redução média de 20% no número de likes e de 18% na quantidade de posts, o engajamento geral se elevou de 0,57% para 0,6%, à medida em que os comentários se superaram em 90%.

 

Além do aumento numérico, o estudo foi capaz de sinalizar um incremento na qualidade do engajamento geral, visto que, para fins de transformar posts em vendas, os comentários têm ingerência muito maior do que os likes, que representam um mero sinal de aprovação daquilo que está sendo retratado na tela do dispositivo.

 

O que se presume através desses dados, portanto, é que os efeitos da mudança na plataforma serão sentidos mais pelas pessoas do que pelas marcas em si, segundo entendimento de Eduardo Prange, CEO da Zeeng.

 

Os usuários comuns se tornarão cada vez mais participativos, vez que poderão postar à vontade, sem medo de “passar vergonha” com os poucos likes obtidos. Consequentemente, continuarão dispostos a se conectar com pessoas, páginas e marcas, contanto que o conteúdo publicado seja suficientemente interessante para que o façam.

 

Os influencers, por sua vez, terão reservado para si o maior desafio: de se superar para oferecer ao público algo que ultrapasse o automático, visto que o ato de curtir uma publicação simplesmente porque o número de likes chamou a atenção perdeu lugar na nova era da plataforma. Daqui pra frente, será preciso mais que uma taça de champagne e o mar turquesa de Mykonos para garantir uma curtida. Será necessário criar uma espécie de conexão com o usuário, algo que gere interação e, consequentemente, chame a atenção das empresas como sinal de potencial em vendas.

 

Às marcas, por fim, caberá a missão de absorver os reflexos dessa transformação, diagnosticando novas formas de interação e selecionando figuras capazes de garantir o engajamento dos users na divulgação de seus produtos. Assim, apesar de desafiadora, a mudança pode ser encarada como uma oportunidade de amadurecimento para o mercado fashion, que poderá se atrelar a novos conceitos, prestigiando a autenticidade de conteúdo e se aproximando mais do que nunca dos interesses de seu público-alvo.

 

 

ISADORA OZELIM MICHELOTTO

Advogada no Mansur Murad Advogados

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