
A aplicabilidade da Propriedade Intelectual tem crescido no mundo da moda, tendo em vista o crescimento vertiginoso de sua indústria. Entre outros institutos jurídicos, a marca se destaca como ferramenta de proteção às criações de estilistas, que procuram reduzir os impactos das cópias em suas produções. A importância de sua proteção será objeto de análise a seguir, considerando o atual paradigma do fast-fashion.
Conceitualmente, a marca é o símbolo ou a imagem capaz de definir a identidade de uma linha ou de determinado produto. Ela é construída gradualmente e passa a transmitir sua tradição, história e valores ao produto (GUIDI, 2005, apud SHIMAMURA, SANCHES, 2012, p. 71). Atuando como fator distintivo nesse mercado competitivo, no qual os aspectos tangíveis (cor, preço, produto, tamanho, etc) rapidamente se tornam obsoletos diante do avanço tecnológico e a facilidade de reprodução, tais ativos intangíveis são percebidos pelo consumidor por considerá-los decisivos no momento de aquisição (CAPUTO; MACEDO; NOGUEIRA, 2008, apud ALVAREZ, BORTOTTI, VIEIRA, 2013, p. 67; FERREIRA, 2006, apud ALVAREZ, FAVERO, VIEIRA, 2008, p. 67).
Em sua acepção jurídica, a marca é descrita como todo sinal distintivo posto em produto a fim de conferir identidade e diferenciação entre os demais artigos que possam ser semelhantes. Esse instituto estimula a produção e inovação de criações artísticas e intelectuais, além de conferir proteção ao consumidor para que não seja vítima de má-fé (BORGES, 2003, p. 698). Desta feita, extraem-se as principais funções da marca, quais sejam: distintiva, indicativa de origem (do produto e do responsável por sua fabricação), econômica, qualitativa e publicitária (COPETTI, 2010, p. 41 – 47, apud OLIVEIRA, BRUCH, 2018, p. 18).
Tratada pela Lei nº 9.279/96 (Lei de Propriedade Intelectual), em seus artigos 122 e seguintes, ela é caracterizada por englobar o próprio estabelecimento comercial e os produtos individualmente concebidos (OLIVEIRA, BRUCH, 2018, p. 20). O registro da marca – seja ela nominativa, figurativa, mista e até tridimensional - é operado mediante pagamento de taxas no Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI). Para tanto, é necessário o reconhecimento da distintividade e a observância dos requisitos legais. Por causa da abrangência de sua proteção, a marca tornou-se especialmente atrativa no campo da moda.
A moda – do latim modus, que significa “maneira” ou “modo” – é uma forma de comunicação não verbal, pois a partir dela é possível compreender o comportamento de determinado grupo em certo período. Com isso, depreende-se o seu sentido coletivo e o papel desempenhado na sociedade. No tocante ao seu caráter efêmero, ele é acentuado pelo fast-fashion, pois lança rápida e frequentemente novas coleções no mercado, distanciando-se do modelo tradicional da moda, cujo lapso temporal entre a concepção até a comercialização perdura por aproximadamente 24 meses.
O cenário atual da moda é traduzido pela expansão do modelo fast-fashion, cuja característica marcante é a produção veloz e em massa de peças a preços acessíveis, de forma a atender o clamor público e sua necessidade de se manter atualizado perante as novas tendências. Seu crescimento foi impulsionado pela globalização ao revolucionar o modelo tradicional da moda em razão da mudança sociocultural por ela propiciada (SHIMAMURA; SANCHES, 2012, p. 67).
Intensificada durante as décadas de 80 e 90, a globalização estimulou o surgimento de uma nova cultura de consumo. Um aglomerado de informações em curto ínterim somado ao avanço tecnológico proporcionou a elevada produção de novas multifacetadas tendências, de modo a dinamizar a relação de consumo de indivíduos aptos a acompanharem-na e incorporá-las ao estilo próprio. Dessa feita, a partir da mudança provocada pela globalização, o consumo de moda não se restringe apenas à satisfação de alguma necessidade, uma vez que adquire significado simbólico ao servir de extensão do indivíduo (ALVES; PEPECE, 2014, p. 80/81).
Em razão de seus atributos próprios, o fast-fashion responde à nova demanda do consumidor devido ao elevado grau de informações adquiridas por sua rede de distribuição, em que serão previstos os padrões populares observados em tempo real para transformá-los em tendências. Seu funcionamento segue a lógica do mercado globalizado: por antever as tendências populares e produzi-las em massa, diminuem-se os riscos inerentes à indústria. Fabricam-se peças básicas em grande escala, enquanto as peças semi-exclusivas com apelo à moda possuem oferta menor (NUNES; SILVEIRA, 2016, p. 59).
Ao produzir uma variedade de peças a preço reduzido, esse sistema torna-se desejável aos consumidores que procuram atualizar-se diante das novas tendências. Nessa nova dinâmica, o custo é mais atraente do que os bastidores dessa indústria, isto é, o porquê desse barateamento. A indústria do fast-fashion, em razão da produção em massa e veloz de vestuário, por vezes, emprega trabalho escravo e informal, além de privilegiar novidades e tendências em prol da difusão da moda e do lucro.
Esse modelo concentra-se na expectativa de rendimento, dessa forma, priorizam-se as tendências e novidades em detrimento da criatividade. Para acompanhar a velocidade de informações e tendências são reproduzidas peças similares de estilistas renomados (DELGADO, 2008, p.8). Critica-se que esse sistema implica prejuízo às criações dos estilistas, vez que reduz consideravelmente o lucro obtido por elas, além de desencorajá-las (HEMPHILL; SUK, 2009, p. 1171, apud CARVALHO, 2016, p. 224).
Diante desse contexto de crescimento do fast-fashion, verifica-se a imprescindibilidade da existência da marca e disposições legais acerca do instituto, a fim de proteger a identidade do produto e a criação do estilista em casos de conflito. A aplicação da proteção da marca é retratada no emblemático case norte-americano Christian Louboutin S.A x Yves Saint Laurent Am. Holding.Inc.. Nesse caso, a Corte de Apelações do Segundo Circuito julgou parcialmente favorável para a primeira empresa, no sentido de reconhecer o secondary meaning – distintividade adquirida conforme a construção identitária da marca - do solado vermelho laqueado contrastante ao sapato, sendo salvaguardado seu direito marcário (CARVALHO, 2016, p. 224).
Também no contexto internacional, em maio de 2018, a Burberry Limited (UK) processou a Target Corporation et. al. porque essa corporação estado-unidense reproduziu cachecóis com o mesmo padrão xadrez icônico da empresa britânica. Em que pese não tenha sido julgada a ação, observa-se que ao apropriar do tradedress – conjunto de elementos distintivos percebidos pelo consumidor, capaz de identificar a origem e qualidade do produto –, a marca é diluída, pois seu conceito e sua reputação de luxo seriam prejudicados com a massificação do produto de qualidade inferior.
Ainda tímida no cenário de moda brasileiro, observa-se a crescente aplicação desse instituto jurídico. Em 2012, o TJSP reconheceu o uso indevido da marca de luxo Louis Vuitton pela empresa brasileira Viviton, a qual atuava no mesmo segmento. Embora se tratassem de públicos-alvo distintos, era claro o comportamento parasitário da Viviton, por utilizar-se da notoriedade, semelhança de marca e nome da primeira para ascender-se no mercado.
A partir do exposto alhures, infere-se que a lógica do mercado propicia a expansão do fast-fashion, em que para acompanhar a velocidade de informações e tendências, são produzidas peças semelhantes às criações de estilistas. Em razão disso, o modelo tem sido alvo de reflexões no mundo jurídico e na moda. Percebe-se o gradual reconhecimento da marca como forma de proteção às criações e de incentivo para continuarem inovando. Isto é, o direito marcário tem se desenvolvido para acompanhar as problemáticas do universo da moda e conquistado espaço em discussões jurídicas.
Taís Satiko Utsumi Okada
Pós-graduanda em Fashion Law pela Faculdade Santa Marcelina (FASM)
Advogada em Londrina/PR
BIBLIOGRAFIA
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