
A marca compõe o ativo intangível das empresas e, por vezes, é o ativo mais valioso. Ela pode ser qualquer sinal ou combinação de sinais distintivos capaz de identificar bens ou serviços de um fornecedor, distinguindo-os de outros idênticos, semelhantes ou afins de outra origem. Portanto, é um bem imaterial cuja proteção, tutelada pela Lei de Propriedade Industrial a partir do momento de seu depósito no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), consiste em garantir ao titular o privilégio de uso ou exploração, sendo regido, ainda, pelos princípios constitucionais do Código de Defesa do Consumidor e de repressão à concorrência desleal.
Insta sublinhar que, nos dias atuais, a marca não tem apenas a finalidade de assegurar direitos ou interesses meramente individuais do seu titular, mas objetiva, acima de tudo, proteger os adquirentes de produtos ou serviços, conferindo-lhes subsídios para aferir a origem e a qualidade destes. Tem por escopo, ainda, evitar o desvio ilegal de clientela e a prática do proveito econômico parasitário. Nesse sentido, já se consolidou o entendimento da jurisprudência pátria [1].
Nesse contexto, é sabido que a indústria fashion funciona de uma forma diferente das outras indústrias criativas, como a cinematográfica e a fonográfica, devido à baixa proteção da propriedade intelectual. Grandes empresas deste mercado, que adotam postura de vanguarda e criação, como a TROUSSEAU, estão sujeitas às práticas parasitas de concorrentes que usurpam investimento alheio em busca de lucro fácil, desviando clientela pelo uso da marca e investimentos de outrem.
Um interessante exemplo de tais práticas condenáveis é o caso de empresas fabricantes de essências e aromatizadores de ambiente que se aproveitam da notoriedade de marcas como a TROUSSEAU e as exploram como publicidade para seus produtos, com chamarizes como “Essência inspirada na loja Famosa Trousseau”. Sabe-se que, até mesmo empiricamente e por engenharia reversa, a reprodução de essências características não é necessariamente desafiadora para os contrafatores, e essências como as da TROUSSEAU, vistas como o “cheiro da moda” ou o “cheiro do luxo”, se tornam fáceis alvos.
Ora, se a marca TROUSSEAU é vista como de alta reputação e luxo, tais atributos são repassados para suas também famosas essências e, empresas parasitas que mencionam a origem como publicidade, angariam lucro através de investimento alheio.
Ao passo, então, que o problema prático é colocado e, ao mesmo tempo, se tem uma impossibilidade de registro de aromas no Brasil (cite-se que em alguns países como Estados Unidos da América [2], já é possível o registro de determinados aromas como marca, desde que estes cumpram a função de identificar origem e qualidade em quem entra em contato com eles), em muitos casos a única solução é buscar a guarida do Poder Judiciário.
Em decisão [3] do Tribunal de Justiça da União Europeia, em dezembro de 2002, foi afirmado que, quanto a um signo olfativo, as exigências de representação gráficas não são suficientemente preenchidas por uma fórmula química, por uma descrição usando palavras escritas, pelo depósito de uma amostra de um aroma, ou pela combinação desses elementos.
Neste momento, é também interessante observar a visão do empresário empreendedor, e menciona-se a entrevista de Romeu Trussardi ao More Brands and Fashion em setembro de 2017: “... precisamos nos posicionar com nossos valores e propósitos, impondo a estas tentativas de concorrência desleal a seriedade na qual nós temos com os nossos concorrentes, exigindo o mesmo deles.” Isso porque, o produto na origem goza de prestígio no ramo de artigos de decoração, roupas de cama, mesa e banho, vestimentas, acessórios, perfumes, roupas de bebê, aromatizadores de ambientes e correlatos, conquistado por meio de maciços investimentos da empresa.
Neste sentido, foi proposta uma inovadora ação judicial (cominatória cumulada com pedido de indenização) pela TROUSSEAU, em face da empresa Kesher Comercial Ltda, também conhecida como Cheiro Bom, pelo uso indevido da marca TROUSSEAU para a publicidade e divulgação de produtos aerossóis e essências, com indicações expressas que eram a “fragrância da TROUSSEAU”.
Em tal ação judicial, alegou-se que a exploração indevida e não autorizada no mesmo segmento comercial caracteriza não só o crime contra registro de marcas, previsto no artigo 189, I da Lei da Propriedade Industrial (9.279/96), mas também o crime de concorrência desleal, por buscar agregar valor a produtos próprios se valendo de marcas de terceiros (como se fossem marcas licenciadas ou de algum modo, parceiras), induzindo muitos consumidores a erro no momento da compra e, concomitantemente, deteriorando a marca do criador original, colocando-a aposta a um produto genérico e, invariavelmente, de qualidade inferior.
Nesse contexto, conforme menciona a Min. Nancy Andrighi [4] em sede de Recurso Especial, é direito do titular ou do depositante zelar pela integridade de sua marca, que está diretamente relacionada com o direito à imagem previsto na Constituição Federal. Sendo assim, deve ser assegurado o direito da recorrente de manter sua marca preservada de qualquer associação com serviços e produtos por ela não fornecidos e cuja qualidade não pode atestar ou fiscalizar.
Posto isso, após adentrar na esfera judiciária por ver seus direitos marcários desrespeitados, a Trousseau obteve, no mês de junho passado, decisão procedente ao agravo de instrumento interposto, condenando a empresa Cheiro Bom, além da abstenção de uso da marca, sob pena de multa diária concedida em sede de antecipação de tutela, também à condenação ao pagamento de indenização por danos materiais e morais em razão do ato ilícito praticado. Nesse sentido, está a ementa do acórdão [5]:

Portanto, o acórdão validou o entendimento dos patronos da Autora, do Mansur Murad Advogados, e entendeu que a empresa Cheiro Bom buscou associação indevida de seu produto com a marca Trousseau, de forma que transmitiria a mensagem aos consumidores de que a mercadoria por ela comercializada, no caso, essências, seria similar à outra, que possui o produto na origem e o devido prestígio, criando um risco de confusão aos potenciais consumidores.
Decisões como esta são importantíssimas no ordenamento jurídico pátrio pois, além do caráter reparador casuístico face à vítima, empresa detentora da marca e produtos originais, tem-se a exemplificação de frenagem de atos condenáveis à concorrência sadia do mercado para que todos ajam no mercado com seriedade e em busca de seu espaço próprio.
[1] REsp 1327773/MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 28/11/2017, DJe 15/02/2018
[2] O primeiro aroma como marca registrada nos EUA foi um fio de bordado com aroma de flor de plumeria, em 1990. Outros países são ainda mais rigorosos: a Austrália concedeu apenas uma (para uma marca de camiseta de golfe com cheiro de eucalipto) e o Reino Unido tem duas marcas registradas de cheiro, ambas aplicadas com sucesso em 1994: penas de dardos que cheiram a cerveja amarga e uma fragrância / cheiro floral que lembra rosas aplicadas aos pneus para veículos rodoviários.
[3] CJCE, 12 décembre 2002, affaire C- 273/00, Siekmann (Ralf) c. Deutsches Patent- und Markenamt
[4] STJ, REsp nº1.450.143/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 19.08.14.
[5] Agravo de Instrumento nº 2237930-44.2017.8.26.0000. Comarca: São Paulo (27ª Vara Cível Central). Agravante: GVR Home Indústria e Comércio de Enxovais Ltda. Agravado: Kesher Comercial Ltda.
Pietra Daneluzzi Quinelato
Advogada do escritório Mansur Murad (São Paulo – Brasil)
Erika Tramarim
Advogada do escritório Mansur Murad (São Paulo – Brasil)