
Os tempos exigem de quem trabalha com moda ou em atividades relativas a esse segmento – como é o caso do Direito da Moda – entendimento acerca de recentes fenômenos que têm abalado as estruturas e provocado verdadeiras revoluções no setor, mundo afora. Um desses fenômenos é o fast fashion, que pelas reações inflamadas e quebra de paradigmas que vem provocando desde o seu surgimento, é chamado de big bang da moda.
Por ser pouco entendido como fenômeno importante para o processo evolutivo da moda, costuma ser mais demonizado que estudado com a atenção devida. Considerando sua posição de desvantagem em relação à fenômenos do passado que impactaram a moda (e que hoje, com distanciamento histórico já são plenamente absorvidos e absolvidos pelos especialistas), penso que devemos tentar entendê-lo melhor, para que dessa maneira, possamos, de fato, compreender sua importância para a moda do século XXI e quem sabe, para a moda dos próximos séculos.
Sobre o tema, fui convidada a escrever para o livro Moda, Luxo e Direito, organizado pelos advogados André Mendes, Susy Bello Knoll e Pamella Echeverria e recentemente lançado. Compartilho com os leitores do MORE, algumas importantes (e rápidas) reflexões sobre a estratégia de varejo conhecida como “moda rápida”, ou fast fashion.
Podemos definir o fast fashion como uma estratégia agressiva de varejo, que em certa medida se “libera” da moda das tradicionais estações que marcam os lançamentos de coleções de moda comercial, para criar, produzir e lançar suas coleções (notadamente inspiradas nas coleções de grifes/marcas líderes no setor de moda) com timing particular, que lhe permite ter com frequência novidades nas lojas. O fast fashion também se caracteriza pela incrível rapidez na criação, produção, distribuição e comercialização/giro de seus produtos, que se notabilizam pelo preço baixo e total alinhamento com as principais tendências comerciais, normalmente apontadas nos desfiles das mais prestigiadas grifes de moda do mundo, nas semanas de moda do Hemisfério Norte.
A Zara, do grupo Inditex, fundada em 1974, na Espanha, é considerada até o momento, a marca pioneira nessa modalidade de varejo. Nesse caso, o controle total da cadeia produtiva, investimentos em tecnologia da informação, logística, prospecção de tendências comerciais, atenção à concorrência, conhecimento do mercado e monitoramento diário de estoque e vendas, garantem o tempo recorde de (pelo menos até o momento em que finalizo esse texto) duas semanas entre o desenho de uma peça e a chegada da mesma nas mais de duas mil lojas da rede espalhadas pelo mundo.
Tecnicamente, as marcas que praticam fast fashion não são lançadoras de tendências, e sim seguidoras (alguns especialistas sustentam que essas marcas são na verdade, experts em cópias) e difusoras de tendências já existentes. Mas na medida em que se antecipam e comercializam peças inspiradas naquelas mostradas nos desfiles de lançamentos de coleções de grifes de prestígio – que não conseguem produzir e comercializar suas coleções com a mesma velocidade – provocam não apenas uma corrida dos consumidores atrás das novidades que em muito se assemelham às lançadas pelas grifes de prestígio, mas que ainda não foram por elas lançadas no mercado, bem como uma corrida das grifes de prestígio, no sentido de criarem e desfilarem rapidamente outras coleções intermediárias às principais, na tentativa de não perderem a batalha por novidades, palavra-chave da estratégia fast fashion.
Segundo a Harvard Business Review, o fast fashion só consegue manter os baixos preços se mantiver o fluxo contínuo de consumidores em suas lojas. O que não parece ser, até o momento, um problema, já que as marcas que praticam a estratégia, não costumam fazer reposição de estoque (e sim remanejamento dos mesmos) e estão sempre lançando novos produtos, o que leva os consumidores – já familiarizados com essa dinâmica – a visitarem as lojas com frequência, em busca de novidades.
Mas e se esse fluxo contínuo for interrompido por algum outro movimento como o seasonless (proposta da moda independente das estações) ou o see now buy now ou “ver agora e comprar agora” (na qual produtos são disponibilizados para compra logo após os desfiles de coleções)? Ambas são reações sob a forma de contra-ataque das grifes mais tradicionais ao fast fashion, utilizando o mesmo princípio de agilidade na oferta de produtos disponibilizados para a compra pelos consumidores.
O consumo desenfreado incentivado pelo fast fashion está provocando o surgimento dessa e de outras novas formas alternativas de varejo como o slow fashion, e slow/low(Con)sumerism, espécie de “irmãos mais novos” do fast fashion, porém, de temperamento mais dócil e politicamente correto.
Mas essa já é uma outra história. E será, certamente, um novo capítulo a ser escrito na moda do século XXI. O que mais o fast fashion poderá provocar nesse século e nos próximos, e qual será a sua importância só o tempo poderá nos dizer. O fenômeno é recente e as questões são e ainda serão muitas e de diversas naturezas, sobretudo jurídicas. Todas relevantes e merecedoras de reflexão.
Recentemente, um empresário do setor declarou que o fast fashion é um vírus que vai provocar a morte da moda. Pensemos, no entanto, como isso pode ser possível, se o “vírus” é em grande medida, alimentado pelo próprio sistema da moda, através de parcerias com criadores de algumas das grifes de luxo que são as referências para as redes de varejo que adotam o fast fashion, caso de parcerias com a de Karl Lagerfeld, o Kaiser da moda e mente criativa da Chanel com a H&M?
A questão é complexa. O que não se deve, a meu ver, é pensar no fenômeno como letal para a moda, e sim como um importante agente provocador como tantos outros que já surgiram e que hoje já são parte da história. Afinal, não foram também revoluções e provocaram grandes impactos e mudanças na moda, o surgimento da alta costura, no século XIX e do Prêt-à-porter, no século XX? Nessa linha de raciocínio, podemos especular que o fast fashion, por suas provocações e desdobramentos, talvez seja uma grande revolução da moda no século XXI.
Paula Acioli
Idealizadora e coordenadora do curso de Gestão Estratégica em Negócios de Moda, da FGV e membro do Fashion Business Law Institute; Mestre em Moda, Cultura e Arte; Bacharel em Design e Comunicação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ; e especialista em moda pelo London College of Fashion.