
A importação de artigos de luxo e moda no Brasil é relativamente recente e a trajetória deste mercado é marcada por diversas fases que moldaram o panorama brasileiro da moda e do luxo. A ausência de marcas estrangeiras, inclusive, estimulou o mercado paralelo e a produção de inúmeros itens falsificados, visando suprir o desejo dos brasileiros de adquiri-las e usa-las, fornecendo-os por um preço – e qualidade – muito abaixo ao original. Os itens falsificados que imitam marcas desejadas identificam na verdade, a real vontade da população brasileira em consumir a marca, e como exemplo é possível citar a Polo Ralph Lauren, que abriu em abril de 2016 sua loja em São Paulo.A marca já esteve aqui no passado, da última vez representada pelo grupo argentino Exxel até 2001. Mas ela não saiu do radar dos consumidores locais. Enquanto não chegava aqui oficialmente, numa ausência de 15 anos, milhares de brasileiros iam comprá-la nos outlets de Miami ou pediam para parentes trazê-la nas malas. Ao mesmo tempo, cópias das camisetas com o icônico cavalinho se multiplicavam na Rua 25 de Março, corredor de comércio popular e de mercadorias falsificadas em São Paulo, e entre as sacoleiras (vendedoras autônomas) por todo o país. Sem falar na ampla oferta dos itens sem origem definida em e-commerces duvidosos.
A história da marca americana é um exemplo da evolução da percepção dos consumidores e da trajetória dos modelos de negócios de produtos importados de luxo no Brasil. E, inclusive, da tardia “imersão” na legislação brasileira da Lei nº 9.279/96, a Lei de Propriedade Industrial. A proteção da propriedade industrial sempre esteve ligada, de maneira intrínseca, ao viés político e econômico da sociedade brasileira.
Numa breve visita ao passado, não é difícil recordar a política industrial letárgica e estática de nosso país. Por receio de que produtos estrangeiros pudessem causar uma concorrência e um desequilíbrio no mercado interno, foram adotadas medidas protecionistas de uma economia fechada que não incentivava investimentos estrangeiros, nem valorizava qualquer tipo de esforço intelectual para possíveis melhorias da indústria nacional. De outro lado, o arcabouço jurídico existente à época, não trazia proteção segura e efetiva às criações intelectuais e suas concepções industriais.
Com o cenário brasileiro precisando de mudanças drásticas em seu mercado industrial ultrapassado, o então presidente Fernando Collor de Mello, em 1990, promoveu a abertura da economia e as marcas internacionais passaram a figurar no panorama brasileiro. O governo militar brasileiro havia estabelecido a proibição das importações em 1976. A partir daí a leitura do que seriam produtos finos e de qualidade ficou restrita a produção nacional, que, em muitos casos, traduzia “com atraso” as referências do que estava sendo feito no “exterior”.
Na moda, diante do fechamento do mercado, por exemplo, foram firmados alguns contratos de licenciamento como o da fabricante nacional de alfaiataria Vila Romana com a marca italiana Giorgio Armani. As coleções precisavam ser desenvolvidas e fabricadas no Brasil e cada peça-piloto era aprovada pessoalmente pelo criador em Milão.
No geral, roupas, acessórios, relógios europeus eram privilégio de uma elite aristocrática que tinha condições de consumir os itens tão desejados em suas viagens de alto custo para o exterior.
A abertura promovida por Collor estimulou empresários locais a comprarem produtos lá fora para revender aqui, uma vez que o país não figurava no plano de expansão das empresas de luxo. É bom lembrar que em paralelo estava em andamento a construção dos conglomerados internacionais de luxo tal como conhecemos, num processo de aquisição de marcas prestigiosas, mas locais.
Num primeiro momento, não havia alinhamento de preços ou critério de distribuição. Estes revendedores trabalhavam com a margem que queriam diante do desconhecimento e falta de parâmetros que norteassem não só os consumidores, como as autoridades fiscalizadoras. Para tornar tudo ainda mais complexo, o cenário era de uma inflação anual de 1476%. Havia o deslumbramento com os importados sem que os critérios de segmentação e posicionamento das marcas estabelecidos em seus países de origem fossem seguidos aqui e, por consequência, entendidos pelo público.
O consumo doméstico de produtos de luxo ganhou fôlego no primeiro governo do presidente Fernando Henrique Cardoso (1994 - 1998), que entre várias medidas, instituiu uma nova moeda - o Real - em paridade com o dólar. “Nesta época, os importados construíram a imagem que quiseram no país. Em 1997, por exemplo, a Montblanc estreou no mercado de relógios e mesmo sem nenhuma tradição da marca na época vendi aqui 5 mil peças das 8 mil produzidas na Suíça ”, conta Rabbat, hoje representante no país da marca de relógios Tag Heuer, do grupo LVMH, e presidente da Associação Brasileira das Empresas de Luxo (Abrael), e responsável por tais importações à época. Mesmo com o câmbio favorável, ainda era caro para o brasileiro viajar. E, além disso, havia a barreira do idioma. O destino internacional preferido na época era a Disney - ainda não se falava de turismo de compras.
É nessa época que a Daslu, boutique fechada criada em São Paulo, começava a ganhar relevância no cenário de luxo. Eliana Tranchesi, filha de uma das criadoras da loja, Lucia Piva de Albuquerque, bateu de porta em porta nas principais maisons internacionais para convencê-las a vender em seu espaço. O seu poder de convencimento fez com que marcas como Chanel, Valentino, Gucci e Prada passassem a figurar em suas araras. Nem sempre ela conseguia trazer o que queria do showroom. Mas à medida que mostrava resultado, ganhava mais prestígio para ampliar o portfólio.
Eliana começou a desenhar um modelo de varejo único no país, uma vez que não tínhamos lojas de departamento por aqui. Para muitas companhias de luxo, a Daslu teve um papel “educativo” naquele momento do mercado, por promover o primeiro contato de muitas consumidoras com as grifes. Ela não só passou a atender a aristocracia como acolheu as novas ricas de várias regiões do Brasil. A Daslu se tornava a tradução do luxo internacional e, ao mesmo tempo, sua própria grife ganhava prestígio ao estar inserida neste contexto de ícones da moda.
As marcas que chegavam ainda timidamente na década de 90, se estabeleciam por meio de franquias ou representações. Havia um receio muito grande de correr riscos num mercado tão recente. A Louis Vuitton, por exemplo, foi a primeira a operar diretamente desde o início (chegou ainda em 1989), ainda que naquela época o head office ficasse em Buenos Aires. A vinda destas marcas de tradição com padrões rígidos de qualidade foi fundamental na qualificação de produtos e serviços nacionais, permitindo que marcas surgissem ou ganhassem expressão junto a um público mais sofisticado. Havia um novo patamar a ser atingido e consumidores mais exigentes a atender.
E é nesse contexto de abertura econômica e crescimento industrial interno, que se torna necessário um incremento à proteção dos ativos de propriedade intelectual. O que antes era impensável por conta de um contexto político-econômico desfavorável, surge no Brasil a consciência de uma legislação própria que atendesse os anseios industriais mais modernos. Sendo assim, em conformidade com as diretrizes de tratados internacionais, a Lei nº 9.279/96 é promulgada, “renascendo” em nossa sociedade, com uma nova roupagem, os direitos relativos à propriedade intelectual.
No entanto, o mercado nacional que estava se desenhando na década sofreria com as crises internacionais, em especial a da Ásia em 1999, e os aumentos sucessivos de alíquotas de importação. Foi só no início do século XXI, quando os grandes grupos passaram a intensificar o processo de globalização em busca de novos mercados, depois do abalo no mercado americano com o 11 de setembro, que o Brasil voltou ao cenário de investimento.
Em paralelo com o sucesso crescente da Daslu, shoppings como o Iguatemi, em São Paulo, diante do crescimento da demanda, passaram a criar formas de atrair as grifes de luxo para suas dependências, desde a criação de um espaço reservado só para elas, para garantir um ambiente exclusivo, até a organização de um departamento para representar e cuidar da gestão destas marcas no país. Ou seja, tanto no caso da Daslu, quanto dos shoppings, eram os empresários locais que criavam condições e se capacitavam para representar as grifes no país.
Junto com o crescimento da Daslu e a mudança de sua sede para o palácio neoclássico na capital paulista, uma operação chamada de Narciso, conduzida pela Receita Federal, Polícia Federal e Ministério Público, trouxe à tona as entranhas do negócio de sucesso. O modelo estava baseado em sonegação fiscal, falsificação de documentos e um sistema de importação caracterizado como contrabando.
O episódio Daslu funcionou como um marco do processo de legalização e profissionalização do mercado de luxo no país. Até então, diversos players do setor subfaturavam notas, o que não funcionou mais no momento em que a fiscalização tornou-se mais intensiva. Assim, marcas que trabalhavam no modelo de representação não conseguiam se viabilizar - trabalhar como intermediário entre a matriz no exterior e o consumidor e ainda com o pagamento integral dos tributos, inviabilizava o preço final dos produtos de luxo no mercado.
Com o desmonte da Daslu e as dificuldades de representantes em continuar vendendo nos moldes de antes, as companhias internacionais passaram a optar pela operação direta para atender ao público já conquistado. O momento econômico era positivo com o país se destacando entre os Brics e muitas empresas de luxo se empolgaram com a crescente voracidade por grifes dos brasileiros em suas viagens ao exterior.
Para abrigar estas marcas que exigiam endereços privilegiados para fincarem bandeiras no país, novos shoppings como o Cidade Jardim e o JK Iguatemi, em São Paulo, e um pouco depois o Village Mall, no Rio, foram concebidos como centros de compra de luxo. Em alguns casos, os shoppings também fizeram o processo de transição, assumindo a gestão, para a instalação das grifes, como no caso da Hermés e Christian Louboutin.
Os grandes grupos internacionais colocaram o Brasil em seus planos de expansão. Em 2010, o bilionário proprietário do então grupo PPR (hoje Kering), François-Henri Pinault, veio ao país anunciar a vinda de suas marcas Yves Saint Laurent e Bottega Veneta. O grupo Richemont reservou lojas monomarcas para várias de suas grifes de relógios como Panerai, IWC e Jaeger LeCoultre. Novos shoppings sofisticados surgiam em outras capitais criando a possibilidade de atingir outros públicos fora do eixo Rio-São Paulo. No ano de 2012, 30 grifes de luxo desembarcaram no Brasil.
Com a base instalada e operando como subsidiárias, as marcas podiam reduzir suas margens para chegar a preços atraentes no mercado. Enfim, parecia que o setor tinha encontrado o modelo para prosperar no país. Mas mesmo assim os valores não eram competitivos o suficiente diante do que era praticado em suas lojas no exterior. Em muitos casos as boutiques instaladas aqui funcionavam como showroom. Os brasileiros entravam, escolhiam o que queriam e compravam lá fora. No mesmo ano que a Hermés abriu no shopping Cidade Jardim, em São Paulo, por exemplo, as vendas para brasileiros dobraram na loja da marca em Miami.
Lentamente, contudo, o mercado ia ganhando consistência. As marcas ampliaram benefícios, serviços e o parcelamento para que os clientes passassem a comprar no país. Ao mesmo tempo, o consumidor passou a contar com multimarcas virtuais estruturadas e outlets de luxo, além de uma oferta crescente de produtos usados. O aumento do IOF nas compras internacionais, num primeiro momento, e depois a desvalorização da real frente ao dólar, desaceleraram as compras no exterior.
O cenário positivo para as compras domésticas foi chacoalhado pelas crises política e econômica desde o fim de 2014. E os grandes grupos começaram a reavaliar a manutenção de seus modelos de negócio, recorrendo a parceiros locais. A Ralph Lauren, por exemplo, abriu sua boutique no país, em abril de 2015, dividindo a gestão com o Shopping Cidade Jardim. A proposta inicial era trabalhar o conceito da marca top por dois anos para familiarizar os brasileiros com o universo mais sofisticado da Ralph Lauren.
Em fevereiro do ano passado, contudo, o grupo americano inaugurou uma loja Polo Ralph Lauren, sua marca mais acessível e conhecida por aqui, na área de duty free do aeroporto Internacional de Guarulhos, administrada pela Dufry. E dois meses depois abriu outra Polo, em parceria com o Shopping Iguatemi.
A volta da Polo parece completar a lista de desejos dos brasileiros por marcas internacionais. Chega, contudo, em um momento de instabilidade política e crise econômica. A questão é: o que será considerado luxo depois da tempestade.

André Mendes Espirito Santo
Fundador do “Fashion Business & Law Institute – BR”. Sócio da área de "Fashion Law" do escritório L.O. Baptista Advogados. Professor de Fashion Law da FGV Direito SP. Co-coordenador e autor da Obra “Moda, Luxo e Direito no Brasil”. Mestre em Direito pela PUC-SP.
Angela Klinke
Especialista em tendências de consumo e mercado de luxo. Jornalista com mais de 20 anos de experiência na área, trabalhou nas principais publicações brasileiras como Veja, IstoÉ, Caras, Playboy, O Globo e Valor Econômico. É publisher do Angela Klinke Report e do site. angelaklinke.com.br, consultora em projetos de inovação e autora do romance "Luxo & crime", da Editora Leya.